Querido amigo,
fiquei imobilizado depois da nossa última conversa. Talvez tenha me batido uma nostalgia, uma saudade do tempo em que o tempo não corria, andava. Quando o tempo anda, as coisas surgem do horizonte, podem ser vistas de longe, de perto, de frente, de lado, se afastam, diminuem e desaparecem. Eu me sentia especial nesse tempo... entendia e até tinha a ilusão de que tinha algum controle sobre a reação que eu causava nos outros. Sabia ser visto em movimento.
Hoje, às vezes, esqueço de que compartilho o mundo com os outros. Estou sempre preocupado em como passar de um lugar ao outro, de entender o propósito da minha existência, minha utilidade. Estranhei quando você me lembrou que não necessariamente a minha (a sua, a nossa) existência precise cumprir alguma função. Tenho medo de pensar assim. Quem não serve para nada é descartado.
Me pergunto se eu poderia me conformar em simplesmente ser. Me deixariam em paz? Seria essa a eternidade? Ficar em paz, imóvel, indisponível ao descarte só e somente pela possibilidade da contemplação?
Me desculpa o tom exageradamente filosófico, essas perguntas não são direcionadas a você, mesmo que no íntimo talvez eu queira te devolver a inquietude que você me provocou. Até hoje tudo o que eu queria era estar quieto, no movimento frenético da função a mim destinada, para não cair no esquecimento. Não percebia, porém, que estava, assim, a aceitar o ciclo que terminaria com o meu fim. O que me causou, depois da nossa conversa, foi um desejo talvez até vaidoso de existir sem necessidade, de não precisar cumprir uma missão. Essa ânsia pela liberdade de poder ser uma coisa, e só. De ser e estar disponível aos olhos dos outros. Sem mais.
Te espero para um café!
Com saudade,
P.