eu vou chegar bem perto de cada uma das coisas e tentar escutá-las. vou encostar meu ouvido e tentar entender o que elas tem a dizer, como elas preferem que eu encoste nelas, se preferem o toque leve ou uma pegada mais firme. se querem ser sacudidas, se preferem ser jogadas, acariciadas. eu vou encostar meu rosto em cada uma delas e tentar sentir a vibração das ondas do movimento das partículas, dos átomos, dos elétrons, dos nêutrons que compõe o material do qual elas são feitas. eu vou tentar vibrar na mesma frequência dessas partículas até me confundir. eu vou tentar entender se elas preferem ficar escondidas em uma gaveta, se elas preferem ser exibidas ou se elas tem vergonha de ficar expostas. se querem ser levadas para todo lugar, em uma bolsa, mesmo que em um bolso escondido. vou perguntar se elas tem medo de viver muito tempo, se preferem ser esquecidas. se querem ser doadas, eu vou cheirá-las, uma por uma. vou dormir abraçada, vou me embrulhar. eu vou entrar na máquina de lavar roupas, vou pro armário da garagem, vou ficar na cristaleira, em destaque. eu vou ficar dobrada dentro da despensa com elas, vou escorregar até o rodapé e ali permanecer por uns dias até ser varrida. vou ficar esquecida dentro do estojo na mochila de uma criança. vou me perder, vou pro achados e perdidos. eu vou cair, vou me quebrar e vou ser remendada. vou ser jogada fora, vou ser reciclada. vou ser arremessada. vou ser esquecida na piscina até perder a cor ou minha matéria se desintegrar, vou ser carregada pelo cachorro. eu vou rolar até ficar presa em um bueiro, eu vou causar uma inundação na cidade. eu vou demorar mais de mil anos para me decompor dentro do lago, e lá vou me juntar com todas as coisas da cidade que foi alagada. eu vou ser colecionada. eu vou perder minha utilidade. eu vou ser reaproveitada, customizada, acumulada. eu vou desintegrar. vou enferrujar, vou ser costurada, herdada.